Atendimento domiciliar, vale a pena? Uma conversa com M.V. Isabella Martins
O atendimento médico veterinário domiciliar tem crescido em popularidade, proporcionando uma alternativa conveniente e menos estressante para animais de companhia. No entanto, essa modalidade apresenta desafios únicos para os profissionais, que precisam adaptar suas habilidades clínicas ao ambiente do paciente, além de respeitar as regulamentações e limitações impostas pela prática em domicílio. Para entender mais sobre as vantagens, desvantagens e responsabilidades envolvidas, conversamos com a Médica Veterinária Isabella Gavioli Martins, formada pela Universidade Anhembi Morumbi e pós-graduada em Etologia Clínica na Medicina Veterinária pela Faculdade Qualittas, Comportamentalista e Clínica Geral.
Entrevistadora: Isabella, o que motivou você a se interessar pelo atendimento domiciliar?
MV. Isabella Martins: Como Médica Veterinária especializada em Comportamento animal, eu acredito que o atendimento domiciliar tem foco no bem-estar emocional do paciente. Muitos pacientes têm medo ou fobia de veterinários e ambiente hospitalar por experiências prévias negativas e isso envolve uma série de fatores: ida ao local, contenção sem manejo de baixo estresse, dor associada a manipulação ou aplicação de medicamentos, barulhos potencialmente estressores entre outros. Atender o paciente no ambiente dele torna o momento da consulta mais confortável, acolhedor, tranquilo e ajuda a evitar traumas desnecessários aos animais.
Entrevistadora: Quais são, na sua opinião, as maiores vantagens de realizar consultas em domicílio, tanto para o veterinário quanto para o tutor do animal?
MV.Isabella Martins: Para o médico veterinário a maior vantagem sem dúvidas é a possibilidade de escolher e administrar melhor seus horários de atendimento e valores. Isso definitivamente é importante, uma vez que sabemos da dificuldade da área com a saúde mental, sentimento de desvalorização, baixa remuneração e horários exaustivos. Já para os tutores, acredito que a facilidade e comodidade são os pontos mais altos, saber que o seu animal será bem atendido no conforto do lar, não precisar se preocupar com a locomoção e evitar todo o estresse envolvido no atendimento tradicional.
Entrevistadora: E quais seriam as principais desvantagens ou limitações desse tipo de atendimento?
MV.Isabella Martins: O atendimento domiciliar enfrenta algumas desvantagens: falta dos tutores no momento do atendimento, onde muitas vezes quem nos atendem são funcionários ou familiares que não tem informações necessárias do animal, falta de ajuda em equipe para pequenos procedimentos e contenções, falta de equipamentos específicos para apoiar soros por exemplo e as limitações durante os atendimentos de emergência, onde por vezes precisamos de exames complementares com agilidade, manter o animal com acesso venoso e/ou monitoramento, sedações e eutanásias com direcionamento do corpinho.
Entrevistadora: Tem algo que você julga ser essencial para esse tipo de atendimento?
MV.Isabella Martins : Acredito que uma mala com todo o material organizado seja indispensável: estetoscópio, termômetro, medicações essenciais para controle de náusea, dor, antibióticos, anti-inflamatórios, fluidoterapia, descartáveis, luvas, vacinas devidamente armazenadas com a temperatura correta e, petiscos!
Entrevistadora: Como o manejo comportamental do animal muda em um atendimento em casa? Você acredita que a redução do estresse é um fator significativo?
MV.Isabella Martins: Sem dúvidas! Os animais que têm medo e apresentam comportamentos hiperreativo podem apresentar melhora significativa no seu ambiente naturalmente, pela redução de cheiros desconhecidos, barulhos estressores e a presença de outros animais comparado a clínica e hospitais. Porém, isso não exclui ainda a necessidade de um atendimento pet friendly e com manejo de baixo estresse para melhores resultados.
Entrevistadora: Na sua experiência, o que os tutores mais valorizam ao optar por um atendimento domiciliar?
MV.Isabella Martins : Os tutores valorizam a saúde emocional do animal, a praticidade e o tempo de consulta maior e individualizado.
Entrevistadora: Há algum momento ou situação marcante que você já vivenciou durante seus atendimentos domiciliares?
MV.Isabella Martins : No início da carreira como clínica geral eu ficava frustrada com a falta dos tutores no momento da consulta, acreditava ser descaso e desvalorização enquanto profissional. Porém hoje, com mais maturidade e protocolos, acredito que é totalmente evitável se conversado antes da consulta.
Entrevistadora: Como você gerencia a logística, desde o agendamento até o transporte de equipamentos necessários para as consultas?
MV.Isabella Martins: Olha, o gerenciamento pode ser um pouco desafiador, pois sabemos que é nossa responsabilidade agendar, responder tutores, ir até o local do atendimento, quantidade de estoque por fluxo, cuidar do paciente e acompanhar o pós consulta. Com o tempo eu desenvolvi meu próprio protocolo, utilizado de mensagens automáticas para facilitar o agendamento e direcionamento dos clientes aos hospitais que confio em horários fora do horário comercial, mantenho um estoque aceitável e tenho clínicas e hospitais parceiros que posso contar em eventualidades.
Entrevistadora: Você acredita que a tendência de atendimentos domiciliares continuará crescendo? Por quê?
MV.Isabella Martins: Sim. Acredito que nos tempos atuais, a praticidade e comodidade são essenciais. Além disso, os tutores gostam desse contato mais íntimo com a família, mais personalizado e de se sentirem especiais.
Entrevistadora: Quais conselhos você daria para veterinários que estão começando nessa área e ainda estão inseguros em relação às particularidades do atendimento domiciliar?
MV.Isabella Martins: É importante que você se sinta seguro em atender e conduzir casos sozinho, goste de ter uma relação mais próxima com o tutor, seja minimamente organizado com os seus materiais de trabalho, tenha clínicas ou hospitais parceiros para direcionamento em emergências, cirurgias e especialistas e um possibilidade de método de pagamento com boas taxas (débito, crédito e pix).
Entrevistadora: Você sente que os tutores confiam mais em você e se sentem mais próximos, já que você entra na casa deles?
MV.Isabella Martins: Sim, a relação construída é mais íntima e eu acredito que é uma forma de valorização ao profissional. Obviamente é necessário saber impor limites profissionais e pessoais, mas eles gostam de nos ter como veterinário da família e de confiança e também sinto que a aderência ao tratamento é maior.
Entrevistadora: Uma dica para profissionais que irão fazer atendimento domiciliar que gostaria de ter recebido:
MV.Isabella Martins: Saber impor limites é super importante para manter a constância, qualidade de atendimento e saúde mental. É necessário se organizar para tentar responder em horários comerciais, criar formulários, escolher um sistema para cadastro e anotações para organização interna, utilizar de mensagens automáticas para te auxiliar e quando necessário ou se possível, adicionar serviço de secretária on-line.
Entrevistadora: Como você lida com a exposição nas redes sociais, sendo mulher, e com o medo de entrar na casa de desconhecidos?
MV.Isabella Martins : Excelente pergunta. A exposição nas redes sociais não é algo que me incomoda, mas assim como aumenta minha captação de clientes, sei que também aumentam os riscos. Hoje eu atendo de forma on-line (telemedicina) ou presencial e em regiões que eu conheço e me sinto confortável em atender e na maioria das vezes por indicação de outros profissionais ou amigos de clientes queridos, que fazem com que eu me sinta segura de certa forma. Durante a minha trajetória, já me coloquei em risco em locais duvidosos e com pessoas que me senti desconfortável e desconfiada. Por esse motivo, preconizo o formulário pré-atendimento com informações sobre o caso, dados cadastrais e localização, que acaba limitando os curiosos e também faço o uso de rastreador no meu celular que envia minha localização em tempo real aos meus familiares e sempre aviso sobre os atendimentos eles. Caso mesmo assim me sinta insegura, hoje eu direciono o cliente e animal ao hospital ou faço uma primeira consulta por telemedicina se possível. Não há dinheiro no mundo que vale o risco a minha vida e clientes novos sempre virão pelo resultado do bom trabalho!
Em conclusão, o atendimento veterinário domiciliar representa uma evolução significativa na forma de cuidar dos animais, proporcionando uma experiência mais confortável tanto para os pets quanto para seus tutores. No entanto, como destacou a Dra. Isabella Gavioli Martins, essa modalidade exige uma preparação logística cuidadosa, além de habilidades interpessoais e comportamentais que vão além do atendimento clínico tradicional. À medida que mais veterinários adotam essa prática, é fundamental que se mantenham organizados, seguros e atentos às necessidades individuais dos pacientes. O futuro aponta para uma crescente demanda por atendimentos mais humanizados e personalizados, reforçando o vínculo entre veterinários, animais e suas famílias.